terça-feira, 29 de maio de 2012

Parábola Sobre A Agulha e a Linha



Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:




— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?



— Deixe-me, senhora.



— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.



— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.



— Mas você é orgulhosa.



— Decerto que sou.



— Mas por quê?



— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?



— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?



— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...



— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...



— Também os batedores vão adiante do imperador.



— Você é imperador?



— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...



Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:



— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...



A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.



Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:



— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.



Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:



— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.



Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:



— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!




                                                                                                     ( Machado de Assis)





Foto by Gabriela Pizani Fotografia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fico tão feliz quando você escreve pra mim...Deixe seu recadinho ! Bjus ...

Mari.

Livros que já li e você também deveria ler!!!

  • A arte da guerra, Sun Tzu
  • A Felicidade é Aqui, Luiz Alberto Py
  • A Grandeza de cada dia, Stephen Covey
  • O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry
  • O Segredo, Rhonda Byrne
  • Porque os Homens fazem sexo e as Mulheres fazem amor, Alan Pease , Barbara Pease
  • Porque os homens mentem e as Mulheres choram, Allan Pease, Barbara Pease
  • Sexo em busca da plenitude, Osho
  • Violetas na janela, Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho
Licença Creative Commons
Esta obra de Maribijoux Atelier, foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Proibição de Obras Derivadas 3.0 Brasil.
Com base na obra disponível em maribijoux-itu.blogspot.com.
Permissões adicionais ao âmbito desta licença podem estar disponíveis em http://maribijoux-itu.blogspot.com.